segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Ângela e o Menino Jesus, de Frank McCourt, tradução de Rubens Figueiredo


www.livrarialoyola.com.br - Acesso em 01 de dezembro de 2013

Olá, caros leitores!
Esta postagem é a reprodução de um trabalho acadêmico que fiz neste ano, em que analiso a tradução, primorosa, de Rubens Figueiredo. Como o professor Jiro Takahashi gostou (o professor Jiro é uma sumidade), achei que valia a pena publicar.
Um abraço!!

***

Onze anos depois de publicar aquele que seria seu maior sucesso (Angela’s ashes, 1996[1]), o autor irlandês-norteamericano Frank McCourt publicou Angela and the Baby Jesus, um episódio natalino da infância de sua mãe, Angela Sheehan McCourt. Quando li o livro, lembrei-me imediatamente de um episódio, desta vez fictício, contado por Jorge Amado em seu Capitães de areia, em que o personagem Pirulito rouba uma figura do Menino Jesus.
Angela and the baby Jesus foi publicado no Brasil  em 2008, com tradução de Rubens Figueiredo, pela editora Intrínseca.
Eis a sinopse da edição brasileira:
    Ângela e o Menino Jesus, de Frank McCourt, é uma fábula natalina atemporal − narrada com toda a alegria, a tradição e a fantasia da infância − para ser amada por várias gerações. Traz lições de ternura, a partir de uma preocupação de Ângela: uma garotinha de seis anos, que fica com pena do Menino Jesus ao vê-lo no altar da igreja de São José na cidade de Limerick, na Irlanda, onde mora. As noites de dezembro são úmidas e frias, e a igreja é escura. A mãe do Menino Jesus não tem nem um cobertor para cobri-lo. O bebê precisa da ajuda de Ângela, mesmo que ela não tenha autorização para chegar perto do altar, muito menos sozinha.[2]

Conhecido por suas traduções diretas do russo, em que a preocupação é a estrangeirização do texto traduzido, fiquei curiosa em saber como o tradutor lidava com as expressões idiomáticas do original. Para minha surpresa, ele não tem essa preocupação na tradução deste conto episódico, optando por expressões em língua portuguesa que se nem sempre se aproximam do original. Talvez por ser uma obra voltada primariamente para crianças? Um cotejo entre original e tradução é útil para verificar esta hipótese:

           A primeira situação em que se evidencia que o tradutor não vai manter as marcas estrangeirizadoras é o nome da protagonista, que não tem acento tônico no original mas tem na tradução: Angela vira Ângela (afinal, todas as palavras proparoxítonas levam acento tônico na antepenúltima sílaba). Se esse é um texto publicado primariamente para o público infanto-juvenil (apesar de que já ouvi dizer que o bom texto infantil agrada a todos, inclusive às crianças) um nome proparoxítono que desobedece a regra poderia confundi-las. Logo, o título do livro vira Ângela e o Menino Jesus. Outra evidência da renúncia a estrangeirização é a troca da expressão Baby Jesus por Menino Jesus. Apesar da figura na manjedoura do presépio ser a de um bebê, em língua portuguesa a expressão consagrada para a mesma imagem é Menino Jesus, que o tradutor adota por todo o livro. Uma terceira evidência é a tradução do topônimo igreja de São José ao invés de igreja de Saint Joseph.

             Vejamos o parágrafo de abertura:
When my mother, Angela, was six years old, she felt sorry for the Baby Jesus in the Christmas crib at St Joseph’s Church near School House Lane where she lived. She thought the Baby Jesus was cold and wondered why no one had put a blanket over his plump little body. He looked happy enough, smiling at his mother, the Virgin Mary, and St. Joseph and the three shepherds carrying little lambs all cozy in their fur. Even if he was cold he’d never complain because the Baby Jesus would never wants to make his mammy the slightest bit unhappy.(p.1)
Quando minha mãe, Ângela, tinha seis anos, sentiu pena do Menino Jesus ao vê-lo na manjedoura do presépio na igreja de São José, perto da alameda da escola, onde ela morava. Achou que o Menino Jesus estava com frio e não entendia por que ninguém tinha estendido um cobertor sobre o seu corpinho rechonchudo. Ele parecia bem contente, sorria para a mãe, a Virgem Maria, para São José e para os três pastores, que carregavam seus cordeirinhos, com pelos muito fofos. Mesmo que sentisse frio, o Menino Jesus jamais reclamaria, pois não gostaria de causar qualquer tristeza à sua mãe, por menor que fosse.

            Entretanto, com exceção de Ângela, Virgem Maria e São José, os nomes dos demais personagens são mantidos no original (sra. Reidy, sr. King, sra. Black, Pat, Aggie, Tom, etc.)

Her Family laughed again when Pat told them how he’d seen Angela with the Baby Jesus in her arms out in the backyard, but when they laughed, he cried, “She have God in the bed, so she do.”
“All right, Pat. All right,” his mother said. You could see she wanted to humor him. “We’ll go up and see if the Baby Jesus is in the bed.”
Little Angela was terrified there by the fire. What would she do if the Family went upstairs and found the Baby Jesus in the bed? Her mother would surely slap her bottom and make her go to sleep without her tea and bread.
She followed her mother and her brother Tom and her sister, Aggie, and her brother Pat, the cause of all the trouble, up the stairs.(p.18)
A família achou graça outra vez quando Pat disse que tinha visto Angela com o Menino Jesus nos braços no quintal, mas quando todos riram ele gritou:
- Ela está com Deus lá na cama, de verdade.
- Tudo bem, Pat. Está certo – disse a mãe. Dava para perceber que ela queria só brincar com ele. – Nós todos vamos lá em cima ver se o Menino Jesus está na cama.
A pequena Ângela, que estava pertinho da lareira, ficou apavorada. O que faria se a família subisse e descobrisse o Menino Jesus em sua cama? Na certa, a mãe ia dar uma palmada em seu traseiro e mandar que fosse dormir sem tomar chá  sem comer.
Ângela subiu a escada atrás da mãe, do irmão Tom, da irmã Aggie e de Pat, a causa do problema.
            Outra evidência de uma tradução mais domesticada é a tradução das expressões idiomáticas, algumas bem específicas da cultura irlandesa, tais como: wingeing, roarin’ an’bawlin’, como nos trechos abaixo:
Little Angela wouldn’t let it go at that. She was often cold herself, hungry too, but never complained for fear of being told by her mother and brothers and sister to stop to whingeing (That’ what they called whining and complaining in Ireland).(p.3)
Mas a pequena Ângela não podia deixar que as coisas ficassem assim. Muitas vezes, ela mesma sentia frio, e também fome, mas nunca reclamava, com medo de que sua mãe, os irmãos e a irmã dissessem para ela parar de choradeira (Era assim que diziam na Irlanda, quando a gente reclamava e se queixava.)
She nearly died of fright when the back door of her house creaked and out came her brother Pat going to the lavatory. He stopped and stared at her and the Baby, but she didn’t mind because he was a baby himself and often said foolish things even she wouldn’t say.
“Is that the Baby Jesus you have there?”
“’Tis.”
“He’s supposed to be sleeping in his crib abroad in the church an’you have him here in the freezing cold.”
“I’m warming him up,“ she said.
“His mother will be roarin’an’bawlingwhen she sees him gone”
“She won’t mind. She wants him to be warm, too.” (p.14)

Ela quase morreu de medo quando a porta dos fundos da sua casa rangeu e de repente lá saiu seu irmão, o Pat, que ia para o banheiro. Ele parou, olhou bem para ela e para o Menino Jesus, mas Ângela não ligou, porque o irmão era como um bebê, muitas vezes dizia bobagens que nem ela era capaz de falar.
- Não é o Menino Jesus que você está carregando?
- É, sim.
- Ele devia estar dormindo na manjedoura, lá na igreja, e você o trouxe para cá, nesse frio de arrepiar.
- Estou esquentando o Menino Jesus – disse Ângela.
- A mãe dele vai ficar louca de raiva quando perceber que ele sumiu.
- Ela não vai ligar. Também quer que ele fique quentinho.

Outra evidência de tradução domesticada em prol de uma maior legibilidade por parte de um público leitor mirim são as marcas de diálogos iniciados pelo travessão, ao invés de iniciadas por aspas. São pequenos detalhes que mostram a preocupação do tradutor com seu público alvo. 

É por esses atributos que a leitura de Ângela e o menino Jesus é bem fluida, não causa estranhamentos no leitor, que se concentra na atitude inocente da criança que, conhecedora ela própria do desconforto do frio e sendo uma devota, compadece-se da imagem do Menino Jesus a ponto de roubá-la para aquecê-la em sua casa. De fato, é um belo conto de Natal.

Bibliografia:
MCCOURT, Frank; LONG, Loren (illust.) Angela and the Baby Jesus. New York, Scribner, 2007.26p.
MCCOURT, Frank; LONG, Loren (ilust.); FIGUEIREDO, Rubens (trad.) Ângela e o Menino Jesus. Rio de Janeiro, Intrínseca, 2008. 26p.


[1] McCOURT, Frank. Angela’s ashes: a memoir. New York, Scribner, 1996. 368p. Publicado no Brasil em 1997 como As cinzas de Angela: memórias, pela editora Objetiva

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